Vejo essa foto como histórica, para mim, por uma série de razões:
1. Retrata um momento muito peculiar na estória do estado do Rio, que nunca se repetirá, mesmo com outros personagens. Os motivos são os seguintes: Leonel Brizola, político gaúcho, que teve um papel decisivo no governo João Goulart, cassado e exilado pelo governo militar, retorna ao Brasil quinze anos depois e funda um partido, o PDT (Partido Trabalhista Democrático) no intuito de resgatar a “velha chama” do PTB, sua antiga legenda, no momento em poder de antigos aliados e então adversários, a família Vargas.
2. De posse de sua nova legenda se candidata ao governo do Rio e, contrariando todas as expectativas, consegue se eleger governador, mobilizando uma legião de admiradores fervorosos, muito dos quais nem eram nascidos, ou eram crianças, na época de atuação política do ex-governador. Essa legião de fãs mais tarde dará origem ao fenômeno do “brizolismo” e do local popularmente conhecido, na época, como”brizolândia”, ponto de encontro de seus admiradores.
3. A foto, propriamente dita, retrata não apenas a posse de um governador de estado, mas o momento em que o português José Alves de Moura, conhecido popularmente como o “beijoqueiro” salta em cima da mesa onde ocorre a solenidade da posse e agarra o rosto do governador para “tascar” um de seus famosos beijos...
Vejo isso da seguinte forma:
Aonde mais, se não no Brasil e especificamente no Rio, burlando toda a segurança e solenidade que se pressupõe na posse de um governador, vem o “beijoqueiro” para beijar o depositário de todas as expectativas populistas semeadas ao longo da campanha de Brizola ao governo do estado?... Era como uma celebração carioca à então recém estabelecida democracia no país, que na época ainda nem contemplava eleições diretas para presidente da república.
Passados tantos anos da foto, não me lembro mais das repercussões em torno de publicação da foto. Eu na época era fotógrafa free-lancer para a revista IstoÉ e penso que provavelmente estava credenciada pela revista na cobertura da posse do governador.
Sobre a consciência da “historicidade” ou não da foto, penso que na época considerei a foto, pelo menos, um registro inusitado, fora do comum. Hoje, passados 24 anos de nossa turbulenta democracia e da até hoje desconfiada relação com a classe dos políticos, penso que a foto retrata uma época em que o brasileiro era mais ingênuo e também mais esperançoso em relação a seus governantes.
Local: Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro
Equipamento: Nikon FM 2, 35mm, filme Tri-X, 400 Asa.
Vera Sayão > É carioca. Cursou a Escola de Belas Artes da UFRJ e é formada em jornalismo pela PUC-Rio. Foi bolsista CAPES no Hawkeye Institute of Technology, Iowa, Estados Unidos, onde estudou fotografia de 1991 a 1993.Trabalhou com fotojornalismo de 1980 a 1991, nas sucursais cariocas da Folha de São Paulo, O Estado de São Paulo e revista IstoÉ, passando depois para as áreas de assessoria de imprensa e divulgação.Participou de diversas exposições coletivas de fotografia no Instituto Nacional de Fotografia da Funarte, no Consulado da Itália e foi entrevistada no filme Caçadores de Almas, de Silvio Tendler, sobre o olhar dos fotógrafos.Desde 2002 vive em Florianópolis e trabalha com fotografia na área de cinema. Em 2005 realizou exposição individual no Espaço Prontomed Lagoa, na Lagoa da Conceição. Atualmente é aluna do curso de História na Universidade Federal de Santa Catarina.
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